domingo, 31 de julho de 2011

Semana Mario Quintana

VI

Na minha rua há um menininho doente.
Enquanto os outros partem para a escola,
Junto à janela, sonhadoramente,
Ele ouve o Sapateiro bater sola.

Ouve também o carpinteiro, em frente,
Que uma canção napolitana engrola.
E pouco a pouco, gradativamente,
O sofrimento que ele tem se evola...

Mas nesta rua há um operário triste:
Não canta nada na manhã sonora
E o menino nem sonha que ele existe.

Ele trabalha silenciosamente...
E está compondo este soneto agora,
Pra alminha boa do meninO doente...

Mario Quintana

Semana Mario Quintana

DATA E DEDICATÓRIA

Teus poemas, não os dates nunca... Um poema
Não pertence ao Tempo... Em seu país estranho,
Se existe hora, é sempre a hora extrema
Quando o Anjo Azrael nos estende ao sedento
Lábio o cálice inextinguível...
Um poema é de sempre, Poeta:
O que tu fazes hoje é o mesmo poema
Que fizeste em menino,
É o mesmo que,
Depois que tu te fores,
Alguém lerá baixinho e comovidamente,
A vivê-lo de novo...
A esse alguém,
Que talvez nem tenha ainda nascido,
Dedica, pois, teus poemas.
Não os dates, porém:
As almas não entendem disso...

Mario Quintana

sábado, 30 de julho de 2011

Semana Mario Quintana

O MAPA

Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...

(É nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...

Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)

Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso...

Mario Quintana

Semana Mario Quintana

DA OBSERVAÇÃO

Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio...


DOS MUNDOS

Deus criou este mundo. O homem, todavia,
Entrou a desconfiar, cogitabundo...
Decerto não gostou lá muito do que via...
E foi logo inventando o outro mundo.


DA DISCRIÇÃO

Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também...

Mario Quintana

Semana Mario Quintana

O TERRÍVEL INSTANTE

Antes de escrever, eu olho, assustado, para a página branca de susto.

Mario Quintana

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Semana Mario Quintana

OS POEMAS

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

Mario Quintana

Semana Mario Quintana

O TRÁGICO DILEMA

Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro.

Mario Quintana

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Semana Mario Quintana

DO AMOROSO ESQUECIMENTO

Eu agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

Mario Quintana

Semana Mario Quintana

Canção da garoa

Em cima do telhado
Pirulin lulin lulin,
Um anjo, todo molhado,
Soluça no seu flautim.

O relógio vai bater:
As molas rangem sem fim.
O retrato na parede
Fica olhando para mim.

E chove sem saber porquê
E tudo foi sempre assim!
Parece que vou sofrer:
Pirulin lulin lulin...

Mario Quintana

Ps.: Hoje, chove em Porto Alegre.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Semana Mario Quintana

HISTÓRIA EDIFICANTE

Era uma vez duas pulguinhas que passaram a vida inteira
economizando e compraram um cachorro só para elas.

Mario Quintana

(Esse eu conheci hoje. Adorei!)

Semana Mario Quintana

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como
uma pobre lanterna que incendiou!

Mario Quintana

Semana Mario Quintana

EU ESCREVI UM POEMA TRISTE

Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!

Mario Quintana

terça-feira, 26 de julho de 2011

Semana Mario Quintana

A Rua dos Cataventos

Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!

Mario Quintana

Semana Mario Quintana

BILHETE

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

Mario Quintana

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Semana Mario Quintana


No dia 30 de julho de 1906, nasceu Mario Quintana, em Alegrete, RS. Baita escritor, ganhou uma casa de cultura com o seu nome em Porto Alegre, no prédio que era o hotel onde ele morou.
Gosto demais do trabalho dele, do sarcasmo, da melancolia, da comédia.
Tem um poeminha muito conhecido dele, o "Poeminho do contra", que é assim:
"Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!"


Descobri isto:
O fato de não ter ocupado uma vaga na Academia Brasileira de Letras só fez aguçar seu conhecido humor e sarcasmo. Perdida a terceira indicação para aquele sodalício, compôs o conhecido "Poeminho do contra".
(Retirado de: http://www.releituras.com/mquintana_bio.asp)

Taí uma coisa que eu não sabia.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Para o dia do amigo

Reza a lenda que este textinho é do Machado de Assis (adoro). Gostei. Mando para os amigos (sejam reais, virtuais ou imaginários).

BONS AMIGOS

Abençoados os que possuem amigos, os que os têm sem pedir.
Porque amigo não se pede, não se compra, nem se vende.
Amigo a gente sente!

Benditos os que sofrem por amigos, os que falam com o olhar.
Porque amigo não se cala, não questiona, nem se rende.
Amigo a gente entende!

Benditos os que guardam amigos, os que entregam o ombro pra chorar.
Porque amigo sofre e chora.
Amigo não tem hora pra consolar!

Benditos sejam os amigos que acreditam na tua verdade ou te apontam a realidade.
Porque amigo é a direção.
Amigo é a base quando falta o chão!

Benditos sejam todos os amigos de raízes, verdadeiros.
Porque amigos são herdeiros da real sagacidade.
Ter amigos é a melhor cumplicidade!

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Descobri a fonte da juventude

- Boa noite, é da casa do seu Mario? (não ri, é o nome do meu pai)
- Sim, boa noite.
- Aqui é do raio que o parta banco tal e ele ganhou um cupom para pagar um monte de taxas ser feliz. Você é o que dele?
- Filha.
- Ah. A sua mãe está em casa?

Pronto. Tenho 8 anos de novo.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Aos amigos






















Imagem de: http://www.rodrigoguimaraes.com.br/blog/?p=225

Quem me lê,
lê um pouco de mim;
lê aqui meus pedaços
bordados em cetim.

Cantinhos da alma
timidamente mostrados,
desabafos
feitos em recados.

As falas avulsas
encontram amigos;
um estímulo,
um abrigo.

Eu me perco
e me encontro.
Eu me entrego
de pronto.

Com carinho.