Aí vai mais um pedaço da história.
Abraços.
Eles andavam por todo o bairro, subindo nas árvores, descendo as ruas correndo, pulando nas pedras. Havia um jardim muito bonito em uma casa no início do bairro, com lindas flores por todos os lados e árvores bem verdinhas. Era longe, mas às vezes eles iam até lá só para ver as flores na primavera e, é claro, roubar algumas frutas. O nome do cusco tinha vindo deste mesmo jardim, onde se achava uma caramboleira. Foi debaixo desta árvore que, há um ano, Juninho encontrou Carambola, ainda filhote, com a pata da frente quebrada. Ele pegou o cusco e o levou pra casa. A partir daquele dia, Juninho e Carambola se tornaram inseparáveis. Carambola só saía pelas ruas sozinho quando Juninho ia à escola ou tinha que fazer suas tarefas domésticas.
Certa vez, Juninho estava indo com sua irmã mais velha, Amélia, até a venda comprar pão e leite, um daqueles raros dias em que se podia comprar leite. Passando por uma travessa, Juninho viu que havia flores num cantinho cheio de plantas. Ele se soltou da mão de sua irmã e foi correndo olhar as flores e os insetos que nelas se abrigavam. Amélia, com sua habitual paciência, chegou ao lado de Juninho e disse:
- Sabe qual é o nome dessa flor? – Juninho virou-se para ela, ansioso pela resposta – chama-se margarida, igual a sua amiguinha. – Juninho achou o máximo existir uma flor com o nome dela. – Agora, vamos. – E puxou-o pela mão.
Ele não conseguia parar de pensar no que acabara de descobrir. “Uma florzinha tão delicada, igual à Margarida”, pensava ele.
No caminho de volta, Juninho parou novamente naquele canto das plantas e pegou uma das flores: a mais branquinha, a mais perfeita delas. Segurou-a com cuidado para não machucá-la e foi para casa.
Chegando a sua casa, sentou-se debaixo da árvore e, como de costume, comeu algumas pitangas. Logo, chegou Carambola.
- Sabia que essa flor se chama margarida, Carambola? É o mesmo nome da nossa amiga. – Carambola olhava para Juninho, mas Juninho olhava para o infinito.
Ali em frente, a porta se abrira como de costume. De dentro da casa, saiu Margarida e veio ao encontro dos dois amigos. Ela sentou de frente para eles, esperando as pitangas. Mas, desta vez, Juninho tinha algo muito melhor para lhe dar. Mostrou-lhe a flor e disse:
- Tome. É para você. – Ela arregalou os olhos e abriu o maior sorriso que ele já tinha visto. Pegou a flor e a observou por um longo tempo. Enquanto ela admirava o presente, ele falou:
- Sabe como se chama essa flor? – Ela balançou a cabeça em sinal negativo – Chama-se Margarida. Igual ao seu nome. – A menina fitou-o com seus olhos negros. Ele viu que ela sorria também com os olhos. Nunca tinha visto ninguém sorrir com os olhos. Aliás, era raro ver alguém sorrir. Além de sua amiga, só via a sua irmã sorrir quando recebia alguma carta misteriosa ou passava em frente a uma praça, no centro da cidade, e, aí, ela sorria junto de um suspiro. Sua mãe sorria, às vezes, quando seus filhos eram queridos ou seu marido elogiava seu cabelo. A professora da escola não sorria nunca. Era um dos motivos de Juninho não gostar de ir à escola. Ele também não gostava porque não tinha nenhum amigo. Passava longas horas sozinho com seus livros didáticos, dos quais não entendia muita coisa. Mas, quando as aulas começassem novamente, as coisas iriam mudar. Margarida faria sete anos em fevereiro e chegaria a hora de ela começar a ir à escola também. Então, ele não passaria mais tanto tempo sozinho.
Com todo o cuidado, Margarida guardou a flor no bolso do vestido de pregas. Juninho ofereceu a última pitanga e ela aceitou. Hoje, ele só tinha guardado uma pitanga. Não que ele não quisesse ter guardado, mas é que estava com tanta fome que, quando percebeu, restava apenas uma. A ordem da mãe era que o leite e o pão que foram comprados ficassem guardados até ela chegar em casa. Até lá, faltavam umas quantas horas.
Os dois se levantaram e saíram correndo pela rua. Carambola veio ligeiro atrás. Hoje, eles iriam assistir ao ensaio geral da escola de samba do bairro ao lado. Em dois dias, começariam os desfiles de carnaval no centro da cidade e as escolas de samba estavam na maior correria para que tudo saísse perfeito. Algumas vezes, eles assistiam aos ensaios daquela escola e, normalmente, ganhavam alguma coisa no final. Uma vez, ganharam um saco de balas. Em menos de quinze minutos, já não havia mais nenhuma. Outra vez, deram um chapéu velho, rasgado e cheio de penas para ela e uma corneta de plástico azul para ele. Mas, desta vez, era o ensaio geral.
Pela tradição da escola, no ensaio geral aberto ao público eram distribuídos pipoca e confetes para todas as crianças que estivessem lá. No final, ainda convidavam a todos os presentes para uma refeição. A refeição tratava-se de uma sopa de arroz aguada, que era servida em tigelas de metal, uma para cada pessoa. Era bom chegar cedo para pegar o papelzinho que dava direito a uma porção da sopa.
Quando os três chegaram ao local do ensaio, ainda não havia quase ninguém lá. O ensaio começaria às 17h, dali a uma hora e meia. Eles foram aos vestiários para encontrar sua amiga Silvana, uma morena linda de 1,70m e cabelos negros que caiam em cachos volumosos até a cintura. Este ano, ela seria a rainha da bateria. Ela sempre os recebia de braços abertos e com muitos beijos. Estava sempre empoleirada em saltos muito altos e muito finos. Margarida se imaginava em saltos e roupas como as dela.
Eles a encontraram fazendo a maquiagem. Ela estava maravilhosa! Usava roupas douradas e sandálias da mesma cor. Havia penas por todos os lados e brilho, muito brilho. Brilho no corpo, nas roupas, nas penas, no rosto. Assim que Silvana os viu na porta do quartinho, levantou-se e veio em pequenos saltos alegres. Abaixou-se e os abraçou como de costume, distribuindo beijos, enquanto os apertava com os braços lisos.
- Juninho! Margarida! Eu estava com saudades de vocês. Vocês estão bem? – Eles assentiram com a cabeça. – Que bom! Agora, vão brincar lá fora que eu preciso terminar de me arrumar. Encontro vocês depois do ensaio, está bem?
Lá se foram os dois. Pegaram os vales-sopa e foram brincar nas árvores. Perto deles, algumas crianças da escola de Juninho brincavam de polícia-e-ladrão. No momento que viram Juninho, gritaram alguns insultos infantis e continuaram brincando. O menino fechou a cara e sentou-se num galho com os braços cruzados sobre o peito, uma perna encolhida e a outra pendurada. Margarida aproximou-se dele, sentando-se noutro galho. Ela se acomodou e tirou a flor do bolso para ficar admirando. Juninho notou seu gesto e começou a desfazer a cara amarrada. Quando ela percebeu que ele já estava alegre novamente, guardou a flor e o convidou para brincar.
Depois de brincarem bastante, chegou a hora do ensaio. Deu o sinal e eles saíram correndo para conseguir um lugar. Conseguiram um lugar bem pertinho do desfile, onde Silvana passaria. O ensaio estava lindo! Juninho e Margarida estavam maravilhados. Parecia que nunca tinham visto um ensaio tão bonito e alegre. Na hora que Silvana passou, Margarida acenou para ela, seguida de Juninho, e a rainha da bateria piscou para eles. A menina com nome de flor não conseguia tirar o sorriso do rosto.
Foi um dia cansativo. Juninho chegou em casa quando o sol estava se pondo. Quase deixou sua irmã preocupada. Margarida correu para casa assim que avistou sua mãe na porta, a esperando. Amélia já foi mandando o irmão arrumar a mesa da janta e tirar as roupas do varal. Ele estava sem fome. Não porque a sopa o tinha alimentado, mas porque só conseguia pensar no samba-enredo que ouvira à tarde e como gostaria de estar tocando com a bateria. Ele foi recolher as roupas do varal cantarolando a música nova que aprendera. Dali a dois dias ele poderia pedir para sua irmã levá-lo ao desfile da cidade, onde ele poderia torcer pela sua escola favorita.
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