sexta-feira, 30 de maio de 2008

O menino que comia pitangas - Parte III

Boa noite, pessoal.

Eu sei que eu disse que o conto sairia toda quinta-feira, mas houve um probleminha (vírus) com meu computador e só estou conseguindo postar hoje. Perdoem-me!
Aí vai. Quinta-feira que vem, tem mais.

Abraços.



Chegou o dia das apresentações. Juninho passou a manhã inteira insistindo para Amélia levá-lo ao centro da cidade à noite. Ele se irritou com os pedidos dele e o mandou à venda comprar arroz para ele parar de chateá-la. Ele foi, mas foi pensando em como convencê-la. No caminho, parou para apanhar uma margarida no beco das flores.
Não conseguiu pensar numa forma de convencer a irmã. Almoçou um pingado de arroz com feijão e salada de alface, pois era tudo que tinha para comer. Tirou a mesa e ajudou a secar a louça lavada. Sentou-se debaixo da pitangueira e esperou. Carambola deitou-se ao seu lado e esperou também. Ainda estava imaginando como faria para ir ao centro da cidade naquela noite. A porta da casa da frente não demorou em abrir e, de dentro da casa, saiu a menina sorridente. Ela veio saltitando e chegou à frente dos dois amigos inseparáveis. Juninho logo lhe entregou a flor que colhera de manhã e viu o sorriso dela ficar ainda maior e mais bonito. Ele achava impossível ela ficar mais alegre do que já estava, mas o rosto dela iluminou-se maravilhosamente quando Amélia anunciou que eles iriam ao desfile mais tarde.
- Mesmo? – disse Juninho. Ela confirmou sorrindo. - E o Carlos vai conosco. – acrescentou.
Carlos era um moço moreno da rua de cima. Era uns dois anos mais velho que Amélia e vivia escrevendo cartas para ela. Trabalhava com o pai numa oficina e estudava à noite na escola do centro da cidade. Juninho não gostava muito dele, mas ele fazia sua irmã sorrir e levá-lo ao desfile, então, não podia reclamar.
Escureceu tarde naquele dia. No horário que eles começaram a expedição, o sol ainda brilhava detrás dos prédios. As poucas nuvens tinham um tom avermelhado e a lua já aparecia tímida. A noite tornou-se estrelada e Juninho fazia perguntas sobre os astros celestes. Amélia respondia com “sins” e “nãos” secos, com frases curtas e sem olhá-lo realmente. Quando estavam apenas os dois irmãos, ela o olhava de verdade. Foi assim um bom pedaço do caminho, até que Juninho desistiu da irmã. Ela queria mesmo era conversar com o Carlos e isto irritava Juninho. Ele enfiou as mãos nos bolsos e andou carrancudo de cabeça baixa até chegarem ao local do evento. Procuraram um bom lugar para assistir e esperaram.
O desfile começou com uns 15 ou 20 minutos de atraso, mas eles nem perceberam. Estavam todos ocupados. Amélia e Carlos ocupavam-se um do outro. Juninho olhava as estrelas com mil dúvidas em sua cabeça, mas não podia perguntar à irmã, então conversava com Margarida. Esta, por sua vez, conversava com Juninho e olhava a avenida, cuidando quando as escolas começariam a passar.
A música vinha ao longe, com uma batida animada e repetida várias vezes. O volume ia aumentando aos poucos, entrando pelos ouvidos de Margarida quase a fazendo dançar. Na frente deles passou a escola favorita, onde eles puderam ver Silvana dançando esplendorosa nos saltos altíssimos e com o corpo dourado e coberto de penas e brilhos. Eles logo decoraram o samba-enredo da escola e o cantariam por várias semanas depois.
A escola passou e Margarida precisou ir ao banheiro. Amélia levou-a enquanto Carlos e Juninho cuidavam dos lugares. A próxima escola começava a se aproximar. Carlos estava tão entretido com a música que nem notou que Juninho não estava mais ao seu lado. Ele só percebeu quando Amélia e Margarida voltaram aos seus lugares e ela perguntou por ele com voz alterada.
- Onde está Juninho? – disse ela quase gritando com os olhos cheios de lágrimas de desespero e raiva. Ele olhou ao redor e viu que ele não estava por perto.
- N-não sei – gaguejou. Amélia começou a gritar e xingá-lo. Carlos estava acuado, sem reação, pálido. De repente, eles deram falta de mais uma criança. Margarida havia sumido também.
Amélia caiu em pranto e quase desmaiou. Carlos tirou-a do meio da multidão e tentou acalmá-la. Ela recompôs-se em parte, sentada em um banco, com um copo de água na mão. Assim que conseguiu ficar de pé, pôs-se a procurá-los. Carlos teve de segui-la para não perder mais um de vista. Ela pensou que Margarida pudesse ter voltado ao banheiro por ter esquecido alguma coisa, mas ela não estava lá. Procurou perto dos bares e na pracinha, mas eles não estavam nestes lugares também. Foi até a praça central, mas não os encontrou lá. Estava quase entrando em novo desespero, quando teve um estalo. Juninho gostava muito de Silvana e ela já não estava mais na avenida. Correu para a sede da escola que estava cheia de pessoas fantasiadas e, como não encontrou as crianças no meio das pessoas, entrou num corredor comprido e cheio de portas de madeira que ocultavam salas. Uma delas estava aberta e ela ouviu vozes saindo de lá. Logo reconheceu a voz do irmão e da sua amiga. A terceira voz era uma suave voz de mulher e, em seguida, constatou-se que Silvana era a dona do belo timbre. Amélia entrou na sala num pulo quase esmagador:
- Juninho! Margarida! O que vocês dois estão fazendo aqui?! Por que saíram sem avisar? O que vocês estavam pensando?! Sabem como me deixaram preocupada?! – e continuou a enxurrada de perguntas que os dois não sabiam se deveriam ou não responder.
Decidiram ficar calados e baixar a cabeça em submissão. Amélia pegou os dois pelas orelhas, um em cada mão e os levou para fora da sala. Colocou-os de frente a ela e gritou mais um monte de frases intimadoras e, agora, balançava o dedo indicador no ar. Eles continuavam calados. Carlos observava-os a uma distância segura de braços cruzados e ombros encolhidos.
Quando terminou, os ouvidos deles doíam. Ela os agarrou pelas mãos e seguiu para fora do corredor. Margarida ainda olhou para trás uma última vez e viu Silvana escorada no marco da porta, um pouco escondida dentro da sala. Acenou para Margarida que não pode conter um sorriso tímido nos lábios.

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