Carregava seus livros debaixo do braço e entrava no vagão com, no mínimo, dois deles. Caminhava em cima daqueles pezinhos com seu ar doce de menina encantada. Segurava-se com dificuldade, por causa da altura inadequada da barra para seu corpo miúdo. E perdia-se nas páginas, sempre alheia ao movimento repetitivo do transporte público. Nos dias de verão, o sol batia em seu rosto, fraco ao fim da tarde, obrigando seus olhos a se fecharem levemente, formando suaves rugas pelo rosto. Mesmo assim, não desviava a atenção da história narrada em preto e branco, que lhe causavam ora risos, ora aflição.
Chegou, naquele dia, como sempre, educada, achou o seu lugar e abriu o pesado livro de cores opacas. De onde estava, pude perceber suas feições alteradas e, nos seus olhos, o desconforto da preocupação. O livro pousado em suas mãos parecia não se comunicar como sempre. Seu olhar procurava juntar as letras e as palavras, mas logo se perdia na paisagem passando lá fora. Reconheci sua inquietação apenas por observá-la diariamente e conhecer sua calma habitual. As demais pessoas, sempre tão imersas em seus próprios mundos, não poderiam sequer imaginar.
Outra estação chegou e mais pessoas vieram tomar seus lugares. Aos poucos, o espaço ia-se tornando insuficiente, e o aperto, angustiante. Mas, todo este sufoco não parecia incomodá-la. Eu já não podia vê-la perfeitamente. Não apenas pelo número de braços e cabeças posto entre nós, mas pela aflição que me causava toda aquela gente. Não sabia mais se o livro era cinza ou marrom, se era pequeno ou grosso, nem se ainda estava aberto. Via somente parte do seu rosto, somente seus olhos, nada mais do que o necessário. Seu olhar inquieto no fim de tarde frio foi lentamente me enfeitiçando. Seria uma senhora peculiar do outro lado da rua que chamou sua atenção?
Continua...
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Um comentário:
Quando teremos a parte II? Curiosidade mata.
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