segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Aquele vagão - parte II

Mais uma vez, paramos. Novas pernas, novos braços e novos cabelos ocuparam os espaços vazios. Eu suava frio, e ela continuava vendo as casas passarem sem se incomodar. Já não percebia mais nada a minha volta. Só enxergava seu olhar, cada vez mais triste, procurar algum consolo através do vidro. Apenas voltei ao lugar onde me encontrava quando um par de braços encobriu minha visão. Vi os muitos corpos amontoados a minha volta. Senti as pernas e os braços me engaiolando. Minha respiração já estava ofegante e eu suava ainda mais. Perdi o foco de minha atenção atrás daquela gente que me enclausurava.
Chegou mais uma estação e paramos bruscamente. Senti a brisa fresca da rua quando a porta se abriu, deixando que as pessoas saíssem. Os espaços se reorganizaram e achei novamente o rosto dela. Espantei-me ao encontrar ali uma lágrima descendo devagar. Sua face agora estava um tanto avermelhada, mas suas feições permaneciam iguais. “Vou lá”, pensei, mas não movi um músculo. Notei que o livro permanecia aberto, descansando em suas mãos, com alguma esperança de ser lido.
Um barulho a trouxe de volta ao vagão. Enquanto seu olhar passava rapidamente pelas pessoas, ela levou a mão ao rosto e secou a lágrima solitária que já alcançava a base do nariz. No movimento, percebeu o livro aberto, olhou rapidamente para fora, fechou o livro e o guardou debaixo do braço. Voltou a segurar-se na barra logo que sentiu a mudança na velocidade. Ela observou o movimento e ajeitou-se para sair. Paramos mais uma vez.
Eu permaneci no meu lugar por mais algum tempo, cumprindo o percurso rotineiro. Ela, como habitual, foi embora sem nem desconfiar da minha presença, que dirá imaginar que eu conhecia seu desconforto. Admirei seus passos leves atravessarem a porta e os segui até se perderem entre tanta gente. A sua imagem triste daquele dia não me saía da memória. Como se fosse minha grande amiga, minha irmã, preocupei-me com seu sofrimento e culpei-me por não saber ajudar. Naquela noite, fui para casa pensando na minha viagem.

Continua...

3 comentários:

CarolBorne disse...

Isso tá ficando MUITO bom, Ruiva!
Mal posso esperar pra ler o resto!
Beijão!

Natacha disse...

quero mais. quero mais. quer mais.

Ran Omelete disse...

Ae, mano, me vê outra dose aí? Aqui, ó, arranjei um relógio bonitão pra ti. Descola pro seu brother mais uma parte dessa história.

Traduzindo, está simplesmente viciante. :)