quinta-feira, 10 de julho de 2008

O menino que comia pitangas - Última parte

Boa tarde!
Chegamos ao final da história. É um post grande, mas é o final. Vale à pena.
Espero que tenham gostado.
Beijos



O sábado amanheceu escuro. Nuvens pretas tapavam o céu até onde se podia ver. Juninho podia dormir até mais tarde no sábado, mas ele não conseguia mais pegar no sono. Por fim, levantou-se e encontrou sua mãe na cozinha, passando café.
- Bom dia, Juninho. Por que está de pé tão cedo num sábado? Sabe que hoje é sábado, né? – ouviu a mãe dizer.
- Sim, mamãe. Mas eu não consigo dormir. – respondeu. A mãe serviu uma xícara de café para ele. Ele colocou açúcar e ficou um tempo misturando o café. A mãe notou sua preocupação.
- O que aconteceu? – perguntou.
- Eu não sei. Faz quatro dias que a Margarida não vai à escola. – ele disse isto mais para si mesmo do que para a mãe.
- Esta menina deve estar com algum problema. Você já tinha me dito que ela estava estranha e quieta e que tinha chorado outro dia. O que houve com ela? – indagou a mãe. Juninho engoliu o choro e não respondeu, apenas balançou a cabeça em sinal negativo.
Do lado de fora, ouviu-se um caminhão estacionar. Juninho disparou para a janela para ver o que estava acontecendo. A mãe de Margarida estava de pé na porta de casa e conversava com o motorista do caminhão que havia descido do veículo. Ele assentiu com a cabeça e seguiu a mulher triste para dentro de casa. Juninho continuou com o rosto grudado no vidro, o embaçando com a respiração, limpando com a manga do casaco e repetindo o processo muitas vezes.
Passou algum tempo até que o motorista saísse da casa. Ele trazia uma caixa de papelão no ombro que colocou dentro do caminhão. Parecia pesada. Voltou para dentro da casa e, logo, saiu com outra caixa. Ele passou aproximadamente meia hora colocando caixas no caminhão. O moço sentado no banco do passageiro fazia algumas anotações num caderno. Assim que não havia mais caixas, o senhor gordo e careca chamou o rapaz, que prontamente fechou o caderno e o seguiu. Juninho viu os móveis mais importantes da casa serem colocados no caminhão. Duas camas, sofá, gaveteiro, fogão, geladeira, algumas cadeiras e uma mesa. Por fim, veio uma mesinha, seguida de uma televisão pequena e antiga. O caminhão partiu. Juninho continuava na janela, observando tudo.
Fazia mais de uma hora que a mãe de Margarida tinha voltado para dentro de casa, fechando a porta atrás de si. Juninho não desgrudava os olhos da casa da frente. Sua mãe o chamou para almoçar. Ele esperou mais alguns minutos, mas, depois, foi.
Durante o almoço, Juninho notou uma movimentação na casa da amiga. Correu para a janela e viu que as duas mulheres saíam da casa com malas. Elas estavam vindo na direção da casa dele. Bateram na porta. Ele correu para atender.
- Olá, Juninho. Sua mãe está em casa? – perguntou a senhora, segurando a mão da filha. As malas estavam largadas no chão, ao pé delas. A mãe dele apareceu à porta.
- Tudo bem, Claudete? – disse ela, com ar de preocupação.
- Nós estamos nos mudando para outra cidade. – respondeu a vizinha. – Só vim despedir-me e agradecer por tudo.
Juninho olhou para Margarida. Ela fitava os próprios pés. Ele saiu da casa e foi até a pitangueira. Começou a pegar as frutinhas maduras e, logo, percebeu a presença da menina. Ela estendeu-lhe uma folha de papel. Seus olhos estavam rasos de lágrimas. Ele pegou o papel e lhe entregou as pitangas. Junto com as pitangas, deu-lhe uma flor branquinha, a mais bonita que tinha colhido no dia anterior para esperá-la debaixo da árvore. Ela aceitou o presente e ouviu sua mãe chamá-la. Estavam prontas para partir. Ela olhou fundo nos olhos dele. Juninho viu que ela não era mais a mesma criança com quem brincava. Ela não era mais criança.
- Adeus! – Foi a única coisa que disse. Ele não conseguia responder. Um nó havia se instalado na sua garganta e não o deixava pronunciar uma palavra sequer.
Ela o abraçou e, depois, virou-se e encontrou-se com a mãe. O carro do tio as aguardava encostado na frente da casa. Carambola a estava seguindo. Ela alisou os pelos da cabeça dele pela última vez. Juninho estava ao lado da sua mãe, emoldurado pela porta aberta. As duas adultas, mãe e filha, entraram no carro. Margarida ficou olhando Juninho através da janela fechada. A chuva começava a cair. As lágrimas igualmente rolavam dos olhos de Juninho e Margarida.
O carro partiu. Partiu-se também o coração de Juninho. Nunca havia sentido uma dor tão forte lhe oprimindo o peito. Sua mãe o puxou para junto de si e os dois viram o carro seguir até o fim da rua. Juninho desdobrou a folha que ganhara. Nela, estava desenhada, em traços infantis, uma flor branca de miolo amarelo. Era a única foto que ele tinha da amiga. A chuva estava mais forte, assim como as lágrimas do menino. Ela partira. Uma mulher partira. A menina com quem brincava havia-se perdido em algum lugar naquela escola.

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