quinta-feira, 3 de julho de 2008

O menino que comia pitangas - Parte VIII

Os dias passavam e Juninho sentia-se sozinho na escola. Os meninos direcionavam as brincadeiras de mau-gosto só para ele, agora. Isto não o incomodava tanto, pois sabia que, se as crianças falava isto para ele, queria dizer que não o falavam para Margarida. Ele passava o recreio se balançando, com a esperança de ver a amiga chegar a qualquer momento. Olhava para os lados, procurava entre os colegas, mas não a encontrava. À tarde, ele não falava sobre isso com ela, porque sabia que ela voltaria a ter aquele olhar perdido que o perturbava.
Com o tempo, Juninho notou que Margarida sorria menos. Ela aparecia na porta de casa todas as tardes, encontrava o vizinho com o olhar e sorria rapidamente. Depois, vinha caminhando na direção dele. Sentava-se na frente dele, sem sorriso nenhum. Ele lhe oferecia as pitangas e ela sorria um pouco, mas logo voltava à sua figura melancólica.
Ele tinha medo de perguntar o que estava acontecendo com ela, pois sabia que ela retomaria aquele olhar vazio, perdido, pensativo. Tentava alegrá-la de todas as maneiras que podia. Dava-lhe mais pitangas do que antes, escolhia só as brincadeiras que ela gostava, não se irritava com coisas pequenas e trazia as flores que tinham seu nome com mais freqüência. Ela gostava muito das flores e sorria um pouco mais nos dias que ganhava.
Na escola, tudo continuava igual. Ele já estava se acostumando a brincar sozinho outra vez. Até que, num dia frio e chuvoso, ela começou a chorar no caminho de volta para casa. Ele não sabia o que fazer. As lágrimas lhe escorriam do rosto uma atrás da outra, sem parar, e ele tinha vontade de fazer o mesmo. Nunca a tinha visto chorar. Não daquele jeito. Às vezes ela chorava um pouco quando caía e se machucava, mas era só um pouco. Agora, ela não parava de chorar e ele não sabia onde estava doendo para olhar e poder dizer que tinha um machucado igual e que não demoraria a curar. Num impulso, passou o braço sobre os ombros dela e continuou andando, sem falar nada. Neste momento, ele sentiu que era o coração dela que doía. E doía muito. Eles andaram assim até chegarem em casa.
Naquela tarde, Juninho esperou por ela debaixo da árvore, com as pitangas no bolso da calça. Ela chegou um pouco mais tarde do que de costume. Não chorava mais, mas seus olhos estavam vermelhos. O jardim bonito da casa do outro bairro era muito longe para aquele dia frio, então, ele levou-a para ver as flores do beco da ruela ali perto. Ela olhou para as flores e sorriu. Ele pegou uma flor, a mais bonita, e colocou na mão dela. Ela sorriu outra vez, mas logo seu sorriso desapareceu e seu olhar perdeu-se na flor. Não estava mais ali. Sua mente estava distante outra vez.
No dia seguinte, Juninho esperou a amiga para irem juntos à escola. Ela estava demorando muito para aparecer. Foi até a porta da casa dela e bateu. Foi a mãe de Margarida quem atendeu.
- A Margarida está em casa? – perguntou o menino.
- Está, sim. Mas ela se recusa a ir à aula hoje. – respondeu a viúva baixa de olhos escuros e cabelo amarrado num coque. – Não entendo por que. – completou.
Ele não respondeu. Não sabia o que dizer, na verdade. A mulher disse-lhe para ir para a escola e avisar a professora que Margarida faltaria à aula. Ele fez o que ela pediu.
A cena repetiu-se no dia seguinte e no outro e no dia depois deste. Todo este tempo, Margarida não saiu de casa. Todas as tardes, ele a esperou debaixo da árvore, mas ela não apareceu.

Nenhum comentário: