sexta-feira, 20 de junho de 2008

O menino que comia pitangas - Parte VI

O dia amanheceu muito claro. Juninho estava animado para o seu primeiro dia de aula do ano. Este ano, ele não andaria mais sozinho. Este ano, ele teria uma amiga para brincar no recreio. Arrumou-se ligeiro, pois estava ansioso para encontrar a amiga. Esperou-a na frente do portão com sua mochila vermelha. Ele era o único dos cinco irmãos que estudava na escola do bairro. Todos os outros estudavam no bairro vizinho. Mas, agora, Margarida o acompanharia todos os dias até a escola.
Ela apareceu com seus sapatos cor-de-rosa e com uma presilha de flor na cabeleira negra. Ela carregava uma mochila marrom com um laço de fita xadrez na alça. Estava claramente feliz com o seu primeiro dia de aula. Juninho faria de tudo para aquele ser um dia inesquecível.
Chegaram à escola bastante adiantados. Quase não havia crianças no pátio. Ele mostrou os brinquedos da pracinha e apontou a janela da sua sala de aula. Provavelmente, aquela seria a sala de Margarida este ano, mas ele disse que era a sua sala. Mostrou onde ele tinha caído uma vez e ganhado uma cicatriz rosada no joelho. O fim da expedição coincidiu com o sinal de início da manhã de estudos. Cada um foi encontrar sua turma e voltariam a se falar no recreio, perto dos balanços.
Pela primeira vez, Juninho não passou o recreio sozinho. Como estava feliz! Nem se importava com alguns insultos que, por vezes, as outras crianças lhe dirigiam. Ele tinha uma amiguinha com quem brincar.
Os insultos que ele recebia começaram a ser dirigidos a Margarida também. Ele ficava irritado, mas Margarida não se deixava abalar. Não se importava e parecia nem ouvir o que as crianças falavam.
Os dois iam à escola e voltavam dela juntos. Todos os dias, sem exceção. Todas as tardes, os dois brincavam juntos debaixo da pitangueira. Comiam pitangas e alisavam o pelo de Carambola.
As chuvas estavam começando. Mesmo assim, Juninho sentava debaixo da pitangueira para esperar Margarida. Amélia dizia para ele sair de lá, quando o via, mas ele não obedecia. Preferia esperar por Margarida.
A chuva estava mais forte naquele dia. Juninho sentou-se debaixo da árvore e esperou pela amiga. Esperou com Carambola por muito tempo, mas ela não apareceu. Amélia insistiu para que ele entrasse em casa, mas ele não queria sair de lá. Amélia ameaçou contar para a mãe, então Juninho teve que se render aos pedidos dela. A chuva caia copiosamente do outro lado da janela. Juninho encostou o rosto na janela da sala e ficou ali, esperando por Margarida. A porta da casa da frente não se abriu.
Estava quase desistindo, seus irmãos o chamavam para brincar no quarto, quando ele avistou a amiga. Não estava na porta como de costume. Vinha de mão dada com sua mãe pela rua, debaixo de um guarda-chuva preto rasgado. Vinham caminhando rapidamente, tentando desviar das goteiras formadas pelas pontas de telhados. Margarida olhou para a casa dele e o viu na janela. Ele limpou o vidro embaçado com a manga do casaco de lã e viu quando ela acenou e sorriu para ele. Ele sorriu e acenou de volta. Sua mãe a puxou pela mão para dentro da casa, fugindo da chuva grossa. Juninho finalmente saiu da janela.
- Vá tomar um banho, Juninho! – Era a voz de Amélia. Ela estava na cozinha começando a cozinhar o jantar. Juninho virou-se, pegou uma roupa no quarto e entrou no banheiro.
Saiu do banho na hora de arrumar a mesa para o jantar. Via-se que não estava sentindo-se bem. O nariz escorria, os olhos insistiam em fechar e os ombros estavam arcados para frente. A tosse começava devagar. Amélia foi logo repreendê-lo:
- Eu te disse pra não ficar debaixo daquela árvore na chuva. Por que você não entrou quando eu te pedi? – mas a voz dela parecia distante.
Juninho sentiu a mão da irmã agarrá-lo pelo braço e puxá-lo pelo corredor da casa até o quarto. Ela falava muitas coisas que ele não conseguia prestar a atenção. Deitou-se na cama e ouviu a irmã dizer que “a mãe vai ficar sabendo disto e ele vai ficar de castigo”. Mas ele não se importava. Queria dormir. A tosse não o deixava pegar no sono. Amélia saiu do quarto e, quando voltou, trouxe uma xícara de chá para ele tomar. Ela o fez sentar-se na cama e expulsou os irmãos do quarto. Com muito esforço, ele tomou o chá até o fim.

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